terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Novas Oportunidades: e depois de agosto?

Setenta por cento dos Centros Novas Oportunidades continuam a funcionar durante oito meses. O Governo já admitiu que a rede está sobredimensionada para a procura, mas não revela o que vai alterar. E agora? Ninguém sabe.

Depois de um compasso de espera, a Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), que gere a iniciativa Novas Oportunidades, anunciou que 129 Centros Novas Oportunidades (CNO), dos 430 espalhados pelo país, iriam fechar as portas por falta de financiamento. Os restantes 301 continuam em funcionamento até agosto. Até lá, o Governo revelará quais as alterações que envolverão esse modelo de ensino. Uma coisa é certa: a ANQ já admitiu que a atual rede está sobredimensionada para as necessidades. Técnicos, formadores, coordenadores, não sabem o que vai acontecer depois de agosto, mas defendem que o programa não pode acabar porque o sistema está bem pensado para o público-alvo que pretende atingir. O EDUCARE.PT colocou algumas questões à ANQ, nomeadamente de que forma a conclusão da certificação em curso não será afetada nos centros que fecham as portas, mas não obteve qualquer resposta. 

O CNO da Secundária Alves Martins, em Viseu, não recebeu luz verde. "Estamos a aguardar a notificação sobre as razões do indeferimento da candidatura financeira", adianta Miguel Borges, do CNO da escola de Viseu. A equipa está pronta para contestar a não aprovação, acreditando que há margem de manobra para "repescar" alguns CNO, cujas candidaturas não tenham sido aprovadas. O CNO da Alves Martins tem mais de 400 formandos em processo de certificação e em Viseu, com a decisão governamental, ficará um centro a funcionar num concelho com cerca de 100 mil habitantes. 

Se o CNO da Alves Martins não conseguir convencer o Governo a dar continuidade ao seu trabalho, quatro profissionais com contratos assinados até 2103 ficam numa situação complicada. Os professores destacados ficam igualmente sem saber o que fazer. E 110 horas que deixam de ser dadas representam seis horários perdidos. Miguel Borges está preocupado com o facto de ficar apenas um CNO a funcionar em Viseu. "Se o CNO sair da escola, há candidatos que desistem deste processo", refere. 

O CNO da Secundária de Moimenta da Beira também não recebeu boas notícias. Alcides Sarmento, diretor do Agrupamento, adianta que os argumentos serão colocados em cima da mesa no momento oportuno. "Quando chegar o termo da decisão, iremos contestar". O diretor confessa que foi apanhado desprevenido com a decisão. "Temos um trabalho que nos deixava absolutamente tranquilos." "O nosso histórico, o nosso currículo, com toda a certeza, coloca-nos entre os melhores CNO da região do interior", sustenta. Alcides Sarmento lembra ainda que o CNO de Moimenta da Beira pertence à primeira geração dos CNO da rede pública. 

Anabela Luís coordena o CNO que funciona na Escola Secundária D. Inês de Castro, em Alcobaça, e que desde outubro de 2008 matriculou perto de 900 formandos. A candidatura foi aprovada, a notificação chegou por e-mail. A responsável ficou satisfeita com esse "sim" e aguarda por mais informações sobre essa aprovação. "Fomos notificados por e-mail que a candidatura tinha sido aprovada, mas não sabemos em que condições. Não sabemos se tudo foi aprovado, nomeadamente os montantes apresentados", conta ao EDUCARE.PT. Anabela Luís, que considera que ainda é cedo para falar do que vai acontecer após agosto. Resta aguardar pelas informações governamentais. 

A responsável pelo CNO da Secundária D. Inês de Castro garante que o modelo de ensino do Programa Novas Oportunidades é "extremamente válido, correto e rigoroso" e que, inclusive, está a ser estudado a nível europeu - e as opiniões que chegam de fora têm sido favoráveis. "O processo de RVCC [Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências] está bem estruturado, mas há situações que obviamente podem ser melhoradas". Anabela Luís mudava apenas uma coisa, ou seja, a designação para Centro de Aprendizagem ao Longo da Vida. "O que fazemos deve manter-se, mas deve proporcionar mais do que agora proporciona, mais formação e continuar a reconhecer competências quando elas existem", defende. 

O CNO da Secundária de Castro Daire foi aprovado. Anabela Bezerra, coordenadora da estrutura, recebeu a notícia com agrado, mas pouco depois sentiu uma espécie de "murro no estômago" quando soube que ali à volta vários CNO tinham as candidaturas chumbadas. "Foi uma satisfação um bocadinho estranha", confessa. De qualquer forma, é tempo de continuar a trabalhar, embora, por enquanto, não haja grandes indicações. "Ainda não sabemos pormenores, sabemos que o nosso projeto foi aprovado", refere. 

A responsável pelo CNO de Castro Daire espera que o anúncio das alterações ao programa seja feito com alguma antecedência. "Espero que até junho nos digam alguma coisa para não levarmos um balde de água fria, como aconteceu aos CNO que agora vão fechar". Seja como for, garante que voltará a esmerar-se na apresentação da próxima candidatura. Na sua opinião, o Novas Oportunidades deve ser esmiuçado. "Está a precisar que olhem para ele com outros olhos". Como assim? "As coisas devem ser avaliadas e readaptadas às situações. A realidade de 2012 não é a realidade de 2005", explica. 

Ana Silva, profissional de RVCC, trabalha no CNO da Associação Sol do Ave, em Guimarães. A candidatura foi aprovada pelo Governo e a notícia também chegou por e-mail. Dar continuidade a um processo iniciado em 2008 é muito importante, tanto a nível pessoal como profissional. E depois de agosto? "Não sabemos em que moldes irá funcionar e se haverá mais CNO a fechar." Mas o aviso da ANQ está bem presente. "Dizem que a rede está sobredimensionada, o que dá a entender que poderá haver mais encerramentos." 

"Expectativas defraudadas" 

O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Adalmiro Fonseca, já reagiu e mostrou a sua preocupação com a instabilidade que o fim do financiamento dos CNO está a criar. O responsável compreende que a situação do país é complicada, e de aperto financeiro, mas lembra que há várias questões sem respostas e "muitas expectativas frustradas". Ou seja, quem vai assumir os pagamentos dos técnicos de RVCC com contratos assinados até agosto de 2013 e que foram autorizados pelo anterior Ministério da Educação. "Preocupa-nos também o defraudar de expectativas das pessoas - dos técnicos, dos formadores, que são professores do quadro ou contratados, e dos formandos, milhares de pessoas inscritas, que ficam sem resposta", disse ao jornal Público. ´

O BE pediu ao Governo dados concretos sobre os fundamentos para o encerramento de cada um dos 129 CNO que estão na lista, o que irá acontecer às restantes estruturas que só têm financiamento assegurado até agosto, quanto se poupou e vai poupar com o fecho dos CNO, e que estudos estão a ser feitos para a avaliação do Programa Novas Oportunidades. O partido garante que as escolas desconhecem que avaliação está a ser feita ao modelo de ensino. "Ninguém conhece estes estudos, nem os grupos parlamentares nem as próprias escolas que, pelos testemunhos que nos têm feito chegar, desconhecem por absoluto qualquer avaliação que o Ministério esteja a promover", denuncia. 

O partido sublinha, por outro lado, que as escolas que proporcionam essa oferta têm no seu projeto educativo um caminho alternativo ao ensino regular de conclusão da escolaridade obrigatória, bem como sistemas de RVCC para jovens e adultos. "Para estes jovens e adultos, estas formações constituem a derradeira oportunidade de verem a sua experiência profissional reconhecida ou de adquirirem uma formação que lhes abra as portas ao exercício de uma profissão". E teme que a continuidade do programa esteja em risco. "Está montada uma rede por todo o país, que tem servido milhares de pessoas desde a sua implementação. Envolve centenas de profissionais que não podem ser, de um momento para o outro, descartados e tem permitido uma última oportunidade a milhares de pessoas".