terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Não se pode aprender de estômago vazio.

Petição luta pela criação de um programa de pequenos-almoços para todos os alunos do pré-escolar ao 3.º ciclo. A primeira refeição da manhã é importante para uma aprendizagem saudável.

"O agravamento das condições de vida fez aumentar o número de crianças e jovens que passam as manhãs na escola em jejum!" E assim começa a petição que circula na Internet que reclama um programa de pequenos-almoços nas escolas. A primeira refeição da manhã não é um dado adquirido em muitas casas portuguesas. Por isso, um grupo de pais e educadores quer levar o assunto à Assembleia da República para que os alunos do pré-escolar à escolaridade obrigatória tenham o pequeno-almoço garantido nas escolas. 

Se há um programa que garante o leite aos alunos do pré-escolar e do 1.º ciclo, porque não criar um sistema semelhante que assegure o pequeno-almoço? "As respostas encontradas por professores, funcionários e associações de pais no seio da comunidade educativa já não são suficientes", escrevem os promotores da petição. As notícias não são animadoras e os relatos e testemunhos nas redes sociais, que dão conta de crianças e jovens que chegam à escola de estômagos vazios, têm incomodado a comunidade educativa. 

A iniciativa surge precisamente para chamar a atenção dos políticos nacionais para a importância de a escola alargar as suas competências e ter a mesa posta antes das aulas começarem. A ideia é proporcionar um pequeno-almoço aos estudantes que efetivamente necessitem, independentemente de beneficiarem ou não da Ação Social Escolar. O primeiro-ministro e o ministro da Educação, bem como a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, a Associação Nacional de Freguesias, a Federação Nacional dos Professores, a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), entre outros, já têm conhecimento da iniciativa. Entre os primeiros signatários estão Albino Almeida, presidente da CONFAP, Beatriz Gomes, do Movimento Escola Pública, o médico e pediatra Mário Coelho, e Paulo Sucena, ex-secretário geral da FENPROF. 

"Pessoalmente, acredito mais na validade de a escola promover, junto dos pais e das crianças, a importância de se tomar um pequeno-almoço equilibrado em casa. Nos casos em que por motivos económicos ou de logística familiar - deslocações, horários, etc. - isso não seja possível, então, sim, fará sentido proporcionar a estas crianças um pequeno-almoço equilibrado." Esta é a opinião do nutricionista Rodrigo Abreu, que defende que as ementas escolares devem ser avaliadas nutricionalmente. O que nem sempre acontece. 

"Infelizmente, aquilo que se verifica na prática é que, muitas vezes, as refeições consumidas pelas crianças acabam por não ser equilibradas porque os requisitos de preço e higiene e segurança alimentar limitam a variedade de legumes e o seu ‘apelo'; porque a rotação de pratos é menor, reduzindo a variedade na alimentação; porque os métodos culinários usados acrescentam muita gordura, etc.". 

As ementas devem, portanto, ser revistas e supervisionadas por quem percebe. Nas escolas, a situação é mais complexa, uma vez que há requisitos relacionados com preço, higiene, transporte, manuseamento e empratamento que têm de ser cumpridos. E isso pode influenciar as características nutricionais, o sabor e o aspeto da refeição. "Por exemplo, se a ementa incluir brócolos que foram preparados às 8h00 ou às 9h00 para serem transportados para a escola, quando forem servidos às crianças estarão menos coloridos, terão perdido muitas das suas vitaminas e o seu sabor e consistência serão pouco apelativos. Temos verduras na ementa, mas dificilmente as crianças as comerão", refere o nutricionista. 

É preciso planear porque uma refeição na escola deve ser o exemplo de uma alimentação saudável e equilibrada. Rodrigo Abreu explica que é preciso pensar nos grupos de alimentos, nas suas quantidades e combinação e ainda no horário das cantinas. "Por exemplo, hoje com as aulas de 90 minutos é frequente termos crianças que passam mais de três ou quatro horas sem comer. Isto não é saudável e nem sequer é positivo para o rendimento destas crianças", afirma. "Por outro lado, os pais devem ter a noção de que não basta ‘apontar o dedo' à comida na escola - em casa também devem ter cuidados", acrescenta. E os espaços de refeição devem promover um ambiente tranquilo para que a alimentação seja sentida como "um momento de pausa, descanso e convívio". 

Preços diminuem. E a qualidade? 

Há milhares de crianças e jovens que comem nas cantinas escolares e os preços das refeições têm vindo a diminuir. A CONFAP alerta para essa situação e pede aos pais para estarem atentos à qualidade da alimentação. "Nós hoje temos preços de refeição mais baratos do que existiam há quatro anos", adiantou, à Lusa, Albino Almeida, presidente da CONFAP, que tem recebido algumas queixas sobre a má qualidade ou pouca comida que as cantinas colocam nos pratos. O responsável defende que as associações de pais devem ter acesso às cantinas e aos contratos de concessão assinados com as empresas que fornecem as refeições. 

A vontade das empresas em querer ganhar os concursos poderá ser uma explicação. "Só isso é motivo suficiente para estarmos atentos à qualidade dos alimentos", avisa Albino Almeida. A Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas atribui a descida dos preços aos cortes no pessoal e não a menos alimentação. O Conselho das Escolas lembra que a qualidade das refeições é uma responsabilidade das escolas e das direções regionais. "Se uma escola vir que a comida que está a ser dada aos miúdos não tem qualidade ou que a quantidade não cumpre as normas do caderno de encargos, é obrigada a denunciar a situação à direção regional", referiu, à Lusa, Manuel Esperança. Por seu turno, a Associação Nacional de Municípios Portugueses assegura que a qualidade das refeições escolares tem vindo a melhorar e que poderá haver casos pontuais que as escolas resolvem.

À Lusa, o Ministério da Educação explicou que "as direções regionais de Educação mantêm um contacto permanente com os agrupamentos/escolas, intervindo junto das empresas fornecedoras sempre que lhe são relatados problemas de qualquer índole, de forma a ultrapassar as eventuais deficiências detetadas". 

Há formas de chamar a atenção dos alunos para os pratos das cantinas. O Programa 100% é um exemplo. Dedicado aos alunos do 2.º e 3.º ciclos, está implementado em 96 escolas portuguesas, deu formação a 416 cozinheiras e auxiliares para que transformassem uma simples refeição num prato bem atrativo. A ideia é cativar os alunos para os refeitórios, em detrimento dos espaços que se encontram na envolvente dos estabelecimentos de ensino. 

Há um ano a cozinhar, o programa conseguiu aumentar em cerca de 10% o número de estudantes nas cantinas escolares. Os truques culinários são explicados pela Unilever Foods Solution, promotora da iniciativa, que para isso contou com a colaboração de sete chefes da Associação de Cozinheiros Profissionais de Portugal. Cerca de 30 mil alunos já usufruíram da iniciativa, que conta ainda com as brigadas da cozinha que têm nas mãos a elaboração das ementas escolares. E o programa poderá bater à porta das universidades. 

A Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil (APCOI) tem no terreno o projeto Heróis da Fruta - Lanche Escolar Saudável. Professores e educadores recebem ferramentas pedagógicas e um guia com propostas de atividades e fichas de trabalho para uma alimentação o mais saudável possível. E, dessa forma, a APCOI reúne dados atualizados sobre comportamentos alimentares e exercício físico de crianças até aos 10 anos de idade.